Certa feita, o embaixador Alberto da Costa e Silva
me falou de uma experiência que o marcaria para sempre. Pequeno ainda, antes de
aprender a ler, o pai (o poeta Da Costa e Silva) lia para ele poemas de
Baudelaire em francês. O garoto não entendia uma única palavra, mas
encantava-se com a melodia das palavras, com a cadência dos versos. Nascia ali
a paixão pela leitura e pela leitura. Por oportuno, Alberto é dos mais
brilhantes intelectuais do país.
Há poucos dias, lendo o livro Minhas lembranças de
Leminski, de Domingos Pellegrini, deparei-me com uma passagem curiosa. Certa
noite, sem saber o que ler para os dois netos, o escritor resolveu apelar para
Catatau, de Paulo Leminski, um livro caótico, com uma linguagem torrencial,
marcada por metáforas, hipérboles e alegorias de todo tipo. Inicialmente, os
netos estranharam,fizeram perguntas sobre determinados termos, etc. Finalmente
dormiram. Pellegrini pensou: Catatau é bom para fazer menino dormir. Na noite
seguinte, pegou um livro infantil e começou a ler. De pronto, os moleques
gritaram: “Este não,vô! A gente quer o do louco bêbado”. Como explicar?
Finalmente, uma experiência vivida por mim. Muito
pequeno, no sertão do Caracol, ouvi, numa noite enluarada, minha tia Odete
narrar e cantar uma história fantástica. Era a história de uma onça que,
desesperada de fome, resolve comer ama bezerrinha de um coronel sertanejo. Eu
não sabia ler, mas efetivamente sabia ouvir. Fiquei tão impressionado com
a história que decidi na hora: Tia,quando crescer,quero fazer isso. Eu não
sabia que aquele “isso” era poesia, um “vício” do qual não quero me
livrar. Aprendi a ler com enorme facilidade porque precisava ler os folhetos de
cordel que me chegavam às mãos numa terra sem livros.
Essas lembranças me ocorreram ao assistir a uma
sessão do projeto “Lê pra Mim?”, concebido e posto em prática pela atriz e
produtora cultural Sônia de Paula, com patrocínio dos Correios. É tudo muito
simples: Sônia e Paulo Aouila, coordenadores do projeto, convidam pessoas de
expressão – atores, músicos, desportistas - para sessões de leitura para
crianças de escolas públicas. O resultado não poderia ser mais animador. Na
aula a que assisti, a bailarina Ana Botafogo e o humorista João Cláudio leram
fragmentos de livros infantis para a molecada de uma escola periférica de
Teresina, na Casa da Cultura. Um alumbramento, como diria o poeta.
Aquelas crianças, pelo menos algumas delas, jamais esquecerão aquele instante
mágico. Talvez hoje,mais do que nunca, esteja faltando justamente alguém com
tempo, disposição e sensibilidade para ler para (e com) a molecada. Voar também
se aprende. Os pássaros que o digam.
Fonte: Cineas Santos
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